O que aprender com os desafios da reciclagem na Europa?

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Veja como a reciclagem na europa pode servir como referência para estratégias de adequação a um mercado cada dia mais sustentável e um planeta com recursos cada vez mais escassos.

A origem da reciclagem na Europa e no mundo

A necessidade da reciclagem tem suas origens em um contexto histórico muito antigo: as primeiras aglomerações humanas. Basta imaginarmos a vida sem locais adequados para direcionarmos dejetos e resíduos. Os resultados eram ruas infestadas de roedores, baratas e doenças.

Então, no século XVIII, surge o que seria o primeiro sistema de gestão do lixo em Londres. Sendo atrelado cada vez mais ao sanitarismo (ações de higiene para a proteção da saúde pública), o lixo passou a ganhar importância no governo e espaços públicos do país. Se tornando modelo para o mundo séculos depois.

Estes seriam os nosso primeiros passos rumo à reciclagem.

Embalagens: um boom! na reciclagem

Foi a partir da década de 70, com grandes discussões acerca da sustentabilidade que, além de uma questão sanitária, a gestão de resíduos ganhou importância em seu sentido ambiental. Com o crescimento industrial da época e das produções em larga escala, a relação homem-produto se tornou intensa. Desta forma surgiu o que seria uma das maiores problemáticas dos dias atuais para a reciclagem: as embalagens.

Para coordenar as ações e suprir essa necessidade através da gestão de resíduos, o Estado de cada país da União Europeia se responsabilizava pelos custos e estratégias. Mas a partir do momento que as indústrias passaram a produzir exponenciais massas de embalagens e resíduos, a responsabilidade exclusivamente governamental se tornou insuficiente para dar conta de todo o lixo gerado. É neste contexto que começou a criação das primeiras Leis com o objetivo de regular  o lixo e a reciclagem na Europa.

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As primeiras legislações acerca de reciclagem na Europa

Foi em Julho de 1975 que o Parlamento Europeu se reuniu com um comitê social/ econômico e definiu as primeiras regras para a Gestão de Lixo na Europa. Traçaram naquele ano a Directiva 75/442/EEC, uma Lei Ambiental que trata de Resíduos e ações para diminuir os impactos no planeta, a qual serviu de inspiração para a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Legislação Ambiental de resíduos e embalagens aqui no Brasil).

É interessante notar que neste documento preliminar não foram definidas metas, apenas diretrizes contextualizando os materiais que até então não eram contemplados em outras legislações, além de ações a serem tomadas por parte dos responsáveis legais pela marca, assumindo o princípio de poluidor pagador.

Só em 1994, seguindo uma evolução das legislações ambientais, foi criada uma Directiva mais específica acerca de Embalagens, a 94/62/EC, que pode ser entendida como a Lei Europeia de Reciclagem de Embalagens. Desta forma, o Conselho Europeu em conjunto com os comitês participantes conseguiram definir ações com metas mais claras a serem alcançadas. Essa última passou por novas alterações através de três outras Directivas, a de 2004, 2005 e 2013.

Quais os desafios da reciclagem na Europa?

Todas as atualizações da Lei Europeia de Reciclagem de Embalagens levam em consideração contextos políticos e sociais de 28 países pertencentes à União Europeia.
O grande desafio de se construir um Plano de Ação nessa escala é conseguir definir diretrizes que respeitem as particularidades de cada um deles.

Para tanto, houve uma análise do estado inicial em que se encontravam. Assim foram traçadas metas flexíveis a serem alcançadas por cada país de forma realista. É isto que podemos verificar na Directiva de 94, onde são levadas em consideração aspectos territoriais e de consumo da Grécia, Irlanda e Portugal para a definição de metas menores que os demais países.

E quais são as metas?

No final de todas as atualizações da Directiva original de 94, ficou estabelecido que os países pertencentes à União Europeia deveriam, até 30 de Junho de 2001, reciclar ou incinerar entre 50 a 60% da massa das embalagens. E para garantir que não haja a incineração de todo o material, é exigido a reciclagem de 25 a 45% do volume de embalagens, deste número deve ser mantido a reciclagem de no mínimo 15% de cada material (papel, plástico, vidro, metal).

Para metas de longo prazo, a serem cumpridas até 2008, ficou decidido a reciclagem ou incineração de pelo menos 60% das embalagens e assim como descrito na meta acima, deve ocorrer a reciclagem de 55 a 80% da massa total de embalagens. Dentro deste contexto foram definidas metas de reciclagem para cada tipo de material (60% de vidro, papel e madeiras com cortes longos e finos usados para construção, 50% de metais, 22.5% por plástico e 15% madeira)

Na última atualização da Legislação, em 2013, países como Grécia, Irlanda e Portugal não foram cobrados por essas metas até 2011 visto seus contextos contrastantes, no que tange o mercado de embalagens, citados no tópico acima.

É com essa flexibilidade e com as metas claramente descritas que cada um dos países pertencentes à União Europeia conseguiram atingir índices excelentes de reciclagem, marcando incríveis 66% de reciclagem de embalagens na União Europeia.

Taxa de embalagens recicladas no ano de 2015 (%)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Eurostat

Quais atores e estruturas fazem parte da cadeia de reciclagem na Europa?

No geral, temos uma relação de co-responsabilidade entre os consumidores, as marcas produtoras e a mediação governamental para alguns sistemas de coleta/triagem, transporte e recicladores finais.

O objetivo maior é promover a reciclagem de resíduos de forma eficiente, através do princípio do poluidor pagador (responsabilização financeira do poluidor pelo impacto causado no meio ambiente e sociedade).

Nesse sentido, comércios e distribuidores não ficam fora da estrutura. É fomentado intensivamente o papel dos mesmos para informar aos consumidores os sistemas de coleta, retorno e reciclagem de embalagens. Podemos verificar isso na legislação interna da Inglaterra, que requer também que sejam informados o significado de selos que indicam processos de reciclagem e que são inseridos nas embalagens dos produtos comercializados.

Vale notar que, diferente do cenário brasileiro, onde as coletas/triagens são realizadas em sua maioria por pessoas em alta vulnerabilidade social, lá, há a automatização na separação dos tipos de materiais para a reciclagem final, através de Megas Centrais de Triagem. O objetivo é tornar o processo ainda mais rápido e barato.

A dinâmica e as soluções de reciclagem em diferentes países

É importante notar que cada país pertencente à União Europeia possui legislações diferentes para desenvolver e aplicar as diretrizes que constam na Lei Europeia sobre Embalagens. Desta forma, existem diferentes disposições dos atores na cadeia de reciclagem e na aplicação das ações estipuladas para alcance das metas.

Inglaterra

Na Inglaterra, por exemplo, o mercado se tornou extremamente competitivo, comportando mais de 48 opções de empresas para o cumprimento da Lei Europeia sobre Reciclagem de embalagens. Todas elas utilizando sistemas de compensação ambiental.

Nesse sentido existem duas soluções aceitas: os Certificados pagos aos recicladores (PRN), na qual se paga um valor para a obtenção das notas fiscais que eles emitem, comprovando a reciclagem de embalagens; e os Certificados através de notas fiscais referentes a toneladas de embalagens exportadas. Para eles também é válido como compensação ambiental.

França

O cenário muda um pouco quando falamos da França, pois há a definição de uma concessionária a cada 6 anos para o encargo do cumprimento da Lei Europeia. Assim, todas as empresas situadas na França realizam o pagamento pelo serviço ambiental a concessionária. Esta é responsável por apresentar relatórios e comprovar os processos de reciclagem e mitigação aos Ministros da Indústria e Ambiente e à Agência de Gestão Ambiental da França anualmente.

Alemanha

Há uma divisão da responsabilidade dos atores por tipo de material. Enquanto o governo é responsável pelo lixo não reciclável e orgânico, os demais são de responsabilidade do DSD (Dual System Deutschland). Neste sistema, o setor industrial e comercial se organizam para obter de forma livre o controle das operações e custos de reciclagem. A licença é paga pelos produtores dos produtos/detentores da marca.

Nos três sistemas acima relacionados à dinâmica da União Europeia, o consumidor, além de realizar escolhas conscientes do impacto ambiental, também arca com parte do custo das soluções no preço final embutido no produto.

Desta forma, há de fato uma corresponsabilização justa entre todos os atores envolvidos na mitigação do impacto ambiental das embalagens.

Estados Unidos da América

Não menos complexo que toda a União Europeia, visto que os EUA não possuem uma legislação federal que contemple todos os Estados no que tange à reciclagem de embalagens.

É de jurisdição federal algumas regulações relacionadas à embalagens de alimentos, cosméticos e medicamentos. Para além disso existem ações pontuais desenvolvidas pelos Estados com o objetivo de promover a diminuição do uso de embalagens ou materiais de determinados tipos que podem ser conferidas aqui.

Brasil

Aqui este movimento se iniciou em 2010, através da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nesse sentido estamos dando os primeiros passos rumo à sustentabilidade. Os órgãos reguladores começaram a instigar ações de reciclagem de embalagens por parte das empresas produtoras.

Foi assim que soluções começaram a surgir, como é o caso do Selo eureciclo, primeira empresa a realizar compensação ambiental de todas as embalagens e conseguir comprovar todo o processo no Brasil e no Chile.

Como a Europa impacta o futuro da reciclagem no mundo?

A Europa foi precursora de um sistema de compensação ambiental com vários modelos de aplicabilidade que vale a pena conhecer, principalmente para termos ideias do impacto futuro das Legislações de Embalagens aqui no Brasil.

Além disto, é legal percebemos que além das Legislações que tratam exclusivamente das Embalagens, a Comissão Europeia também definiu ações em um plano muito bem estruturado sobre Economia Circular. Isso foi em 2015, como forma de dar andamento à estruturação sustentável de todos os países envolvidos.

O futuro da reciclagem no mundo sob a ótica da Europa é um apanhado de soluções competitivas, onde a sustentabilidade se torna uma vantagem de mercado. Isso porque a essência dos Planos de Reciclagem e Economia Circular é a criação de uma dinâmica de mercado sustentável que antevê um cenário de escassez de recursos.

É um chamado instigante para pensarmos de forma mais consciente e inteligente sobre nossos próprios recursos.

Entenda como funciona o mercado de reciclagem no Brasil.

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