O mercado de reciclagem é simples, depende da reciclabilidade dos materiais. E isso depende somente de duas coisas: o custo para reciclar e o valor do material reciclado. Agora como cada um desses atributos é calculado para cada material, aí já é bem mais complexo.
O mercado de reciclagem
Respondendo à pergunta do título, não funciona. Infelizmente, o mercado de reciclagem é um sistema que está em um péssimo equilíbrio: pouca conscientização ambiental + falta de regulamentação/fiscalização desencadeiam altos custos de logística + falta de vontade de pagar, o que leva à baixa taxa de reciclagem e, por fim, poucos recursos no sistema. Por isso, tudo continua na mesma: temos 3% de taxa de reciclagem formal dos resíduos sólidos urbanos.
Para a grande maioria dos resíduos, o valor do material reciclado não supera os custos do processo de reciclagem. O que sustenta o nosso mercado de reciclagem é a desigualdade social, que coloca muitas pessoas dispostas a trabalhar no mercado de reciclagem de forma informal e ganhando menos que o salário mínimo.
Na prática, o processo de reciclagem passa por 4 etapas: descarte, coleta, triagem e valorização.
Descarte
Esta etapa tem como principal ator o consumidor, porque, muitas vezes, se gera um resíduo após o uso de um produto. No caso de alimentos e bebidas, por exemplo, uma embalagem é o que resta após o consumo. É responsabilidade do consumidor descartar este resíduo corretamente.
Mas o que é considerado correto no descarte? Isso depende muito do material do resíduo e do seu contexto. Se você tiver coleta seletiva em sua casa e o material for aceito, você deve separá-lo para a coleta na data correta. Caso seu bairro não tenha coleta seletiva, o correto é levar os resíduos recicláveis a um ponto de entrega voluntária. Alguns materiais não são aceitos na coleta seletiva, mas geralmente existem pontos de descarte especial, como no caso das pilhas e baterias.
Coleta
No Brasil, a coleta é responsabilidade dos municípios, exceto para grandes geradores (mais de 200 litros ou 50 kg de resíduo por coleta), mas não existe uma obrigação em relação à coleta seletiva. Só para se ter uma ideia, a coleta seletiva em São Paulo é cerca de 2% da coleta normal.
Um dos motivos é que o custo da coleta seletiva é cerca de 4 vezes maior que o da coleta normal, pois o caminhão da coleta seletiva não pode compactar o resíduo e acaba com uma capacidade menor. Outra razão para o alto custo é que os caminhões não voltam cheios — fazem as suas rotas e não coletam material suficiente.
Outro caminho que o resíduo pode fazer é ser coletado por catadores autônomos, profissionais que coletam resíduos manualmente e vendem o material para aparistas e sucateiros.
A relação descarte-coelta já mostra um pouco da interdependência na cadeia: tudo que um ator faz, afeta os outros. Se o descarte não é feito da maneira correta, o custo da coleta sobe e isso atrapalha a cadeia inteira. Então atente-se à sua responsabilidade!
Triagem
A triagem é a destinação de um material para o reciclador, que irá fazer a valorização do resíduo. Em alguns casos a triagem já acontece no momento do descarte, caso o material seja descartado separadamente de outros materiais. Quando isto ocorre, a triagem é a simples logística do material separado chegar até o reciclador.
Mas para a grande maioria dos resíduos sólidos urbanos, é necessário um esforço muito maior. Após o descarte, os materiais secos são levados pela coleta seletiva até uma organização de triagem. Esta organização de triagem vai fazer a separação dos materiais por tipo e vender o material para o reciclador.
Existem alguns modelos diferentes de organização de triagem e cada um traz as suas particularidades. Aqui no Brasil, a maior parte das organizações de triagem são cooperativas. Estas cooperativas recebem os materiais recicláveis, fazem a separação dos materiais manualmente, prensam o material e vendem para um reciclador.
Cerca de 40% do material que chega nas cooperativas acaba indo pro aterro. Isso acontece principalmente por dois motivos: o material não tem comprador ou o material realmente não é reciclável e foi descartado incorretamente. Muitas embalagens que têm o símbolo de reciclável são recicláveis somente na teoria, pois na prática não são recicladas pela falta de incentivos financeiros.
Valorização
É aqui que os recicladores entram em ação: eles compram os materiais recicláveis, aplicam seu processo e geram uma nova matéria prima. Os recicladores são especialistas em um tipo de material, pois o processo de reciclagem para cada material é bem diferente. Os valores pagos pelos materiais também diferem muito.
Os principais fatores que influenciam o valor são: potencial de utilização e custo do material alternativo. O ideal é que o material possa fechar o ciclo da economia circular, isto é, ser novamente utilizado para a sua finalidade inicial. Uma embalagem voltar a ser a mesma embalagem. Infelizmente, isso não é tecnicamente viável para todos os materiais.
O custo do material alternativo é um dos pontos mais importantes para o incentivo à reciclagem de um material. Se for mais barato usar um material não sustentável, fica difícil convencer as empresas a usarem o material reciclado.
O mercado de reciclagem é muito complexo e muitos atores são interdependentes. No final das contas, a reciclabilidade de um material se resume a esta fórmula:
Equação de reciclabilidade
Reciclabilidade = (matéria prima reciclada) – (custo de descarte + custo da coleta + custo de triagem)
Existem muitas iniciativas acontecendo nos dois lados desta equação, e o Selo eureciclo busca valorizar o serviço de reciclagem emitindo os certificados de economia circular, o que aumenta a entrada de recursos no sistema e incentiva a reciclagem. Sem esquecer que o papel do consumidor é fundamental: ele tem o poder de escolher valorizar embalagens mais sustentáveis e também tem a responsabilidade de fazer o descarte correto, diminuindo os custos do sistema.
Veja: Economia Circular – como criar um mundo onde o lixo não existe